Rastreio dos cancros cutâneos

Rui CabanitaInfo & Conselhos

As estratégias do Programa da Comunidade Europeia “Europa Contra o Cancro” e do “Plano Oncológico Nacional” têm como principal objectivo a uniformização de critérios e procedimentos com vista a esta detecção precoce, tornando as doenças oncológicas prioritárias em termos de cuidados de saúde. Nesta linha inserem-se os rastreios das populações consideradas de risco e as acções de informação e divulgação de medidas preventivas dirigidas ao público em geral. No entanto as suas repercussões em termos de eficácia são em grande parte condicionadas pelo ênfase vinculado pelos “media” sobre uma população mutante no seu estilo de vida e hábitos de vestir. O apelo constante à pele bronzeada, às estadias em estâncias balneares e de montanha, vinga sobre o conhecimento adquirido do efeito deletério da radiação ultravioleta. A abordagem no âmbito da actividade do profissional de estética deve considerar sobretudo a implementação do auto-rastreio, o aconselhamento cosmético e a educação sanitária, nomeadamente a identificação dos denominados sinais de alarme dos tumores cutâneos.

A inspecção de todas as regiões anatómicas, especialmente aquelas sujeitas a maior dose de ultravioletas, denominadas fotoexpostas, permite identificar áreas de predilecção dos cancros de pele que necessitam do sol com cofactor oncogénico, tais como o carcinoma espinhocelular e o basocelular.

A diferenciação entre envelhecimento intrínseco, geneticamente determinado e fotoenvelhecimento ou dermatoheliose é de fulcral importância. O primeiro resulta de uma deficiente resposta imunitária e menor capacidade de regeneração do DNA após agressões endógenas e exógenas, condicionando menor coesão das células epidérmicas – alteração da função de barreira e absorção percutânea – aumento do tempo de renovação celular – atraso dos fenómenos de cicatrização – e menor aderência dermo-epidérmica – fragilidade cutânea. Este envelhecimento fisiológico expressa-se clinicamente pelo aparecimento de patologias várias e essencialmente benignas, destacando-se as queratoses senis, verrugas seborreicas, adenomas sebáceos, angiomas senis, lagos sanguíneos, purpura senil, pseudo-cicatrizes estelares espontâneas e manchas pigmentadas.

Na outra vertente do envelhecimento cutânea têm especial importância os ultravioletas que actuam através de alterações mais profundas infringidas às fibras elásticas e colagénio, bem como síntese de radicais livres responsáveis pela desnaturação de vários componentes intracelulares. Os plexos vasculares perdem a sua sustentação – baixa das funções de termoregulação – as fibras elásticas alteradas dão á pele uma tonalidade amarelada, aspecto típico com aparecimento de rugas profundas de disposição losângica e de pseudo-comedões sendo o colagénio com degenerescência responsável por fenómenos de esclerose e rigidez cutânea.

O efeito cumulativo das radiações solares tem como expressão mais grave a fotocarcinogénese, com aparecimento sobretudo dos carcinomas basocelulares mas também dos espinhocelulares desenvolvendo-se em lesões pré-malignas essencialmente queratósicas. O espectro desta multiplicidade de situações patológicas cutâneas não ficaria completo se a ele não se acrescentasse o melanoma maligno. Tumor extremamente agressivo, incurável nos estados avançados, vê aumentada a sua incidência em 3 a 7% por ano, afectando cerca de 40/100.000 australianos e em franca progressão, contrastando com o estado regressivo da maioria das outras neoplasias.

O melanoma maligno tem sido o objectivo primordial das campanhas de rastreio e motivo de múltiplos estudos etiológicos, permitindo que sobre ele seja exercida uma acção de identificação precoce através da constatação de uma constelação de sinais previamente definidos. São eles os atributos pigmentares do indivíduo – devendo ser fotoprotegidos os de cabelo louro ou ruivo, olho azul e pele clara – a capacidade ou incapacidade de bronzear face à exposição solar – alertando para eventuais riscos aqueles que queimam e não bronzeiam – a existência de história familiar de melanoma maligno – elucidando para uma maior acuidade no auto-rastreio – e a presença de lesões pigmentares melanocíticas (nevos).

A análise macroscópica dos nevos melanocíticos deve ser dirigida morfológicamente, sendo habitual a utilização da mnemónica “ABCDE”, considerando assimetrias (A) de contorno, bordos (B) irregulares com margens mal definidas, cor (C) com diferentes tonalidades, diâmetro (D) superior a 7mm e elevação (E) em relação à superfície cutânea.

Actualmente, desenvolvem-se estudos em grandes séries de doentes com longos períodos de seguimento, tentando-se objectivar a real eficácia das estratégias em populações-alvo bem como a validade da observação visual das lesões por médicos não dermatologistas e outros profissionais de saúde. Contudo é um dado adquirido que o sucesso das estratégias de rastreio passa pela concepção de um Programa Nacional de Rastreio do Cancro da Pele e, naturalmente, pela formação e empenhamento de um vasto conjunto de profissionais, fora da área estritamente médica, que de forma mais ou menos directa lidam com a saúde da população e com o corpo humano: farmacêuticos, professores de educação física, profissionais de estética, massagistas, entre outros.

Enquanto questões como estas não são formalmente respondidas é de grande importância a contribuição dos profissionais de estética. Pensamos que deverão, no seio das suas Associações Profissionais ou de outras Instituições vocacionadas na luta contra o cancro, ser desenvolvidas acções de formação especificamente dirigidas a esteticistas que permitam o seu empenho consciente no rastreio dos tumores malignos da pele.

Finalmente, resta implementar uma rede de eficiente orientação e encaminhamento dos indivíduos em risco de desenvolvimento de neoplasias para serviços competentes públicos ou privados, onde uma observação dermatológica criteriosa será realizada.